O PROJETO TERRA (Juraci Dórea)

O artista plástico feirense Juraci Dórea vem instalando, desde 1982, grandes esculturas de couro e madeira em vários pontos dos sertões da Bahia. Trata-se de uma proposta - denominada de Projeto Terra - que, de certa forma, tenta inverter os mecanismos de circulação da obra de arte, um fenômeno relacionado, na atualidade, apenas com os grandes centros urbanos. Essa é "uma noção manipulada pela elite cultural que, em decorrência do prestígio econômico das cidades, passou a conduzir os destinos da história da arte", esclarece o artista.

Para o jornalista José Carlos Teixeira, os componentes culturais básicos da proposta do Projeto Terra, desenvolvido por Juraci Dórea, "quer nos seus aspectos estéticos, formais ou semiológicos, começaram a mostrar-se, sem sombra de dúvida, ainda na década de quarenta, quando ele, menino ainda, foi iniciado nos mistérios e segredos do universo sertanejo, pelas mãos de vaqueiro s, cantadores, violeiros, tropeiros e outros personagens desse mundo de magia e misticismo, com os quais conviveu em Feira de Santana."

De fato, os elementos da cultura sertaneja, cujas manifestações ainda podem ser encontradas em Feira Santana, marcaram desde o início a produção plástica do artista. Ao desenvolver o Projeto Terra, Dórea foi buscar mais uma vez nesses elementos a matéria prima para se4u trabalho, mas com uma diferença: as comunidades rurais do sertão, que até então eram objeto temático, passaram também a ser mercado consumidor das obras criadas.

Partindo de Feira de Santana e alcançando outros pontos do Estado, como Monte Santo, Euclides da Cunha, Canudos, anta Brígida etc., o Projeto espalhou, entre 1982 e 1998, inúmeras esculturas em feiras livres, largos de festas, aguadas, estradas de boiadas, margens de rios ou, simplesmente, no meio da caatinga.

Construídas intencionalmente com materiais da região, as esculturas têm despertado a curiosidade dos sertanejos. "Varas e couros estão no dia-a-dia dos sertanejos. São materiais úteis, têm funções específicas. Vê-los especados no chão pode significar mera astúcia: as pessoas gostam de astuciar - pensam eles. Com poucos dias de relento, chega ali um e destamboca uma pontinha da sola para consertar a alpercata, fazer loros: e, naturalmente, a obra de arte completa o seu ciclo", dez o poeta Antonio Brasileiro.

Considerando o caráter efêmero das obras, Juraci Dórea vem documentando todo o processo com fotos (como as apresentadas nesta edição). Além disso, está gravando depoimentos de moradores dos lugares onde o tabalho é realizado. O crítico de arte Frederico Morais observa que se trata "de um material fascinante, de4 grande valor sociológico e antropológico, na medida em que revela o conceito que as populações rurais têm da arte. Buniteza para um, ispera ou tocaia de ema para outro, apenas um ofício, entre muitos, para a maioria, um objeto de início assustador, ou um novo começo".

Em 1988, o Projeto Terra foi escolhido para representar o Brasil, juntamente com os trabalhos do paulista José Resende, na 43a Bienal de Veneza. Participou ainda da 19a Bienal Internacional de São Paulo, da 3a Bienal de Havana e da mostra Pintura e Escultura do Nordeste do Brasil, em Lisboa.

Informativo Científico, Edição Especial, pág. 30 - 31. Edição nº 23 - agosto/ 98