Mutante Scaldaferri
Ao completar 50 anos de carreira, o artista plástico Sante Scaldaferri se adapta à tecnologia para continuar retratando a cultura popular
por Karen Souza
"Nunca fiz concessão ao mercado. Nunca fui adepto da estética da norma – de leitura fácil, o bonitinho, para combinar com o sofá da madame. Não faço xerox da minha própria pintura. Não me fixo em uma só fase. Eu me adapto.
Muda a forma e fica o conteúdo". Palavras do artista plástico baiano Sante Scaldaferri, que, aos 76 anos, completa, este ano, 50 de carreira.
Para comemorar, o Mosteiro de São Bento homenageia o artista e entrega a ele, hoje, às 19h30, na basílica do Mosteiro, a comenda da Ordem do Mérito do Patriarca São Bento.
Antes da celebração, haverá uma missa em ação de graças pelos anos dedicados às artes e pela recuperação de Scaldaferri, que ficou oito meses de cama e seis em fisioterapia, depois de cair em casa e fraturar uma vértebra.
Mas isso já passou, garante o artista. Sempre risonho, agradecendo o carinho dos amigos e os cuidados do médico dele, adianta que muitas exposições virão para celebrar sua arte.
A primeira, Convites, vai inaugurar a Galeria do Conselho Estadual de Cultura, dia 5 de novembro, pela programação do Dia da Cultura.
São convites que recebeu de entidades, instituições e artistas e que transformou em arte. "Eu escaneei cada um, interferi e fui modificando até ficar satisfeito", conta ele, sem querer revelar muito, mas deixando escapar que são 35 trabalhos, plotados em tamanho 40 x 50.
"Só posso dizer que serão oferecidos aos homenageados", adianta Scaldaferri. A escritora Myriam Fraga está entre eles e seu nome só foi revelado porque ela vai fazer a apresentação da exposição.
ARTE DIGITAL - Os trabalhos fazem parte da nova fase do baiano, que alia a computação gráfica à sua obra.
"Tento adaptar a temática da cultura, arte e religiosidade popular às linguagens contemporâneas. Com surgimento dessas novas tecnologias, não poderia deixar de usá-las", justifica Sante.
E esta nova fase já virou livro (ver Box), Novas Pinturas, com reportagem plástica de Claudius Portugal e lançamento ainda sem previsão. "É uma arte digital, não tem pincel, nem espátulas, mas o conteúdo é sempre o mesmo", define.
Em 2005, o artista terá uma exposição retrospectiva, no MAM-Ba, e uma mostra de arte digital contida em Novas Pinturas na Paulo Darzé Galeria de Arte.
Sante Scaldaferri vai incluir sua arte para ilustrar um livro de poemas escolhidos de Gregório de Mattos. A obra vai ser lançada pela Confraria de Bibliófilos do Brasil, em edição especial de 100 exemplares, apenas para sócios, em data ainda não definida.
As ilustrações de capa e de dez poemas escolhidos do Boca do Inferno são de Sante Scaldaferri.
AMOR E AGRESSÃO - Conhecido por utilizar a técnica da encáustica fria (massa resistente feita à base de resina e cera de abelha, que é misturada à pintura e esquentada depois) e por retratar ex-votos e figuras gordas e deformadas, Sante Scaldaferri acredita que a contribuição que deu à arte baiana foge ao alcance dele.
"É a Bahia que vai dizer. Recebi muitas incompreensões porque as pessoas não entendiam o meu trabalho. Teve uma fase, entre os anos 80 e 90, que eu falei sobre as fraquezas do caráter humano.
Não fazia para agredir ninguém, embora muitas pessoas se vissem nos trabalhos. Mas não foi um ato de agressão, foi de amor", desabafa. Uma história de amor com a arte que existe há 50 anos e que, há 36, tem na figura da esposa de Sante, D. Marina, sua maior inspiração.
Apreciador da arte de Modigliani e El Greco, Scaldaferri acredita que a influência é muito "salutar" para o artista jovem, mas defende que "é preciso distinguir qual é a influência e qual é a cópia".
"Com a globalização, parece que estão tomando conhecimento e valorizando a identidade cultural e percebendo que a gente procura a identidade de um país por meio da arte. Só que quem faz arte baseado na cultura popular já foi esquecido. Só apresentam as fontes, mas a transfiguração da fonte não mostram", acredita o artista baiano.
A TARDE On Line
14/10/2004
