"Lirismo profundo"
Já se disse que no firmamento das artes visuais do Brasil, constituiu-se fenômeno raro o aparecimento de Cícero Dias.
Revelado como “pintor de vanguarda”, com apenas 20 anos de idade, sua pintura inicial apresentava algumas semelhanças com a dos surrealistas, principalmente com a de Chagall, que ele não conhecia, mas tinha referências através da pintura de Ismael Nery.
Cícero Dias realizava uma arte eminentemente brasileira, impregnada do fantástico do Nordeste, com lirismo e sedutora fantasia. Mesmo nas suas abstrações encontramos reminiscências da terra brasileira através do colorido.
Se as suas primeiras obras revelavam uma certa dureza, mostrando que a mão não estava devidamente dominada, revelavam também a força criadora do jovem talento que se arriscava.
Em suas aquarelas dos anos 30 já demonstrava perfeito domínio do desenho e da técnica.
Sua obra passou pelo primitivismo, abstracionismo, lirismo, geometrismo e findou com a fusão do lirismo com o geometrismo. Há quem destaque sua fase de desenhos e pinturas sensuais, impregnadas de sexualidade e certo erotismo quase inocentes, nada pornográficos.
Cícero Dias realizou, verdadeiramente, um surrealismo delicado, não terrível, não dramático, mas cordial e brasileiro, que encantou a todos e que fez Gilberto Freyre declarar que ele possuía “o mais brasileiro dos azuis, o mais pernambucano dos encarnados, o lirismo profundo como em nenhum outro pintor eu conheço”.
Quando passou a residir em Paris, em 1937, e expôs nesse mesmo ano na Galeria Jeanne Castel, arrancou elogios de Pablo Picasso.
Ao ser incluído, em 1952, pelo crítico francês Léon Degand, na exposição de referência intitulada Témoignages pour l’Art Abstrait, passou a expor ao lado de Hans Arp, Calder, Alberto Magnelli, Auguste Herbin e Serge Poliakoff, entre outros – todos expoentes da pintura universal, já naquela época.
Cícero Dias, artista de raízes brasileiras, encontrou sua plena universalidade na temática, nas cores e num conteúdo latino-americano.
(fonte: Eduardo Evangelista - Jornal A Tarde - 30/01/2003)
