Esperando Rodin
François-Auguste-René Rodin nasceu em Paris no dia 12 de novembro de 1840, de uma família modesta, filho de Marie Cheffer e Jean-Baptiste Rodin. Suas primeiras incursões pela escultura começam aos 5 anos, na cozinha de sua mãe, modelando com miolo de pão e usando a carretilha para cortar biscoitos em forma de figura humana, tendência temática que vai seguir por toda a vida.
Os primeiros modelos para o desenho são as ilustrações de sacos que embalavam as ameixas que sua mãe comprava num armazém próximo e que eram feitos de páginas ilustradas de livros usados. Foi crescendo e adotando outras atividades salutares, treinando os olhos e o intelecto, como os hábitos de leitura diária, viagens constantes e observação profunda da natureza.
Freqüentador assíduo de bibliotecas, para Rodin os livros são portas abertas para o mundo, um suporte para reflexões, eco para suas próprias preocupações, depoimento sobre as paixões humanas, alimento para suas criações. Rodin lia Dante, Baudelaire, Musset, Victor Hugo, Lamartine, Ovídio, Homero, Virgílio, Goethe, Pascoal, Platão, Sócrates, Rousseau... Na idade madura, quando o acúmulo de trabalho não lhe permitia dedicar uma parte do dia à leitura, Rose, a companheira fiel de todos os tempos, lia em voz alta para ele no atelier.
Rodin viajou pela Itália e Bélgica sempre estudando os grandes mestres nos museus, observando os campos, a natureza, a arquitetura das cidades, as catedrais e pequenas igrejas regionais da França, sobre o que publicou um livro, Les Cathédrales de France, em 1914. Na década de 90 do século XIX, Rodin era um dos homens de maior conhecimento, na França, a respeito de arquitetura medieval.
A escultura de Rodin revolucionou a sua época, provocando ao mesmo tempo escândalo, discórdia, admiração. Estimulou o espírito inventivo dos escultores do seu tempo que passaram a reinventar e revolucionar seus próprios trabalhos, incentivados pela obra do grande mestre.
É de 1876 a escultura A Idade do Bronze, de 181cm de altura, que provocou, quando exibida pela primeira vez, a acusação de que o artista teria feito os moldes diretamente de uma pessoa viva.
Em 1877, uma outra escultura, de 85cm de altura, L’Homme que Marche, representando um homem andando, gerou ao mesmo tempo enorme polêmica e uma corrente de admiradores e seguidores. Polêmica, porque, embora a escultura representasse um homem andando, não tinha braços nem cabeça. Seguidores, porque a partir dessa época figuras andantes começaram a proliferar pelo mundo da arte escultórica.
Em 1890, durante a Exposição Universal, Rodin expõe na Place D’Alma, em Paris, 168 esculturas em gesso, 128 desenhos e 71 fotografias. Rodin retrabalhava a fotografia com desenho, transformando-a em verdadeira obra original. A exposição marcou o apogeu, a glória de Rodin. Encomendas começam a afluir.
Hoje, a obra de Rodin está espalhada pelo mundo com um trabalho forte, poderoso. Cada museu ou colecionador, orgulhoso de possuir Rodin em seus acervos.
Impossível dissertar aqui, separadamente, sobre cada uma das peças do mestre, mas não posso deixar de falar um pouco sobre as minhas favoritas: Balzac, Os Burgueses de Calais, A Porta do Inferno e O Pensador.
Minha primeira visão ao vivo de obras de Rodin foi no Musée Rodin de Paris, em 1982. Já fotografei esculturas de Rodin no Norton Simon Museum de Passadena – Califórnia, no Museum of Modern Art – New York (MoMA), Musée Rodin – Paris e em Philadelphia. Gosto de observar como uma mesma obra, como o Balzac de Paris e o Balzac do MoMA, ganham conotações diferentes de acordo com as atmosferas locais.
Balzac, em Paris, uma escultura de bronze de 270 cm de altura, instala-se em um ponto do jardim que contorna o Hotel Biron, localizada sobre um baixo pedestal retangular contornado por grama. O Balzac do MoMA em Manhattan-NY, ao contrário de Paris, está dentro do prédio do museu, num espaço de pé-direito triplo, no amplo vão das escadas rolantes, tendo-se à esquerda uma parede toda de vidro dando para o jardim. Posicionado de maneira estratégica sobre pedestal bem alto, proporciona ao visitante que vai subindo ou descendo as escadas, uma visão de cada detalhe da monumental escultura, dos pés à cabeça, de costas e de frente, à altura dos olhos do espectador, na medida em que se sobe ou desce para outros pavimentos.
É bom lembrar que Honoré de Balzac, o grande escritor francês, nasceu em 1799 e morreu em 1850. Em 1891, tendo Rodin 51 anos, a mesma idade com que Balzac morreu, recebe da Societé de Gens de Lettres a encomenda para criar um monumento a Balzac. O romancista tinha uma enorme barriga e é justamente desse aspecto que Rodin se apropria como tema central para modelar o primeiro estudo para sua escultura, em 1893.
Primeiro fez Balzac sem roupa, com os braços cruzados sobre o volume do estômago. Depois, Rodin pensou em vestir Balzac com um casaco comprido. Teve dúvidas e um de seus assistentes sugere uma veste drapeada que Rodin recusa por não querer caracterizar Balzac como um grego ou romano de antes de Cristo. O novo palpite foi uma beca, aceito imediatamente por Rodin, que começou a modelagem sobre o corpo, mas definindo os volumes dos braços, pernas e barriga, criando uma espécie de montanha, um monumento. Exposto pela primeira vez no Salão de 1898, ele choca a opinião pública e é recusado pela Sociedade que lhe deu a encomenda, por não reconhecer o escritor no trabalho criado por Rodin.
Hoje, O Monumento a Balzac é considerado um dos marcos da estética do trabalho do grande mestre.
Os Burgueses de Calais, uma escultura medindo 231 cm de altura, feita entre 1884 e 1886, também sob encomenda, desta vez da cidade de Calais, na França. Representa seis burgueses de Calais que, para salvar sua cidade, concordaram em ser executados pelos ingleses vitoriosos comandados por Eduardo III, Rei da Inglaterra. Na escultura os seis personagens aparecem como se cada um representasse um dos estágios da dor ou do desespero do momento, cada um, um capítulo da mesma história. Na verdade, apenas um autêntico Rodin que introduziu na escultura os princípios da repetição, fragmentação, combinação...
O Musée Rodin, de Meudon tem em seu acervo Os Burgueses de Calais em gesso. No Museu de Paris, essa escultura, em bronze, está colocada sobre pedestal baixo em frente a um dos muros que contorna o jardim. Mas a visão dos Burgueses que mais me encanta é a do Norton Simon Museum, de Passadena. A escultura fica no meio do jardim, com bastante espaço em volta para se andar ao seu redor, descobrindo e desfrutando da vista de cada detalhe do trabalho.
Em 16 de agosto de 1880, Rodin recebeu uma encomenda para criar um grande portal para o novo museu de artes decorativas de Paris, a ser construído. Tema escolhido por sugestão do próprio Rodin, a Divina Comedia, de Dante. Título da obra, La Porte de L’Enfer ou A Porta do Inferno, criada com a modelagem de uma infinidade de pequenas figuras em baixo relevo. Muitas destas figuras foram depois apropriadas pelo mesmo Rodin, como se as quisesse tirar do inferno, dando-lhes grandes dimensões, liberdade e vida própria, como: O Pensador, As Três Sombras, Adão ou O Primeiro Homem, Eva, O Beijo, etc.
A Porta nunca ficou pronta, enquanto porta propriamente dita. O Museu de Artes Decorativas de Paris também nunca foi aberto. Entretanto, a obra de Rodin, deixada em gesso, transformou-se no maior símbolo da escultura moderna.
Em 1926, Mr. Jules Mastbaum, de Philadelphia, profundo admirador e colecionador da arte de Rodin, resolvendo construir o Rodin Museum de Philadelphia com o seu acervo, encomendou as duas primeiras fundições em bronze da Porta do Inferno, uma para o museu de Philadelphia e outra para o Museu Rodin de Paris. O Museu de Philadelphia foi aberto em 29 de novembro de 1929, depois da morte de seu benfeitor. É um museu que tem, em acervo próprio, o maior número de obras de Rodin fora da França.
Até o momento já foram fundidas sete portas em bronze. Nos Estados Unidos temos mais uma, no Museu de Arte da Universidade de Stanford, Califórnia. Duas no Japão, uma no Museu Nacional de Arte Ocidental de Tóquio e outra no Museu de Arte da Prefeitura de Shizouka. A Porta da Coréia está no Rodin Gallery de Seul. Na Suíça, a Porta do Inferno está em Zurique.
Quem sabe não teremos a Porta nº 8 na Bahia, para representar a América do Sul, que ainda não abriu suas portas para a Porta do Inferno de Rodin?
O Pensador foi primeiramente uma escultura criada em pequeno porte para representar o poeta Dante na Porta do Inferno. Localizado em posição estratégica, no centro do acabamento superior da porta, ele simplesmente pensa e contempla seu inferno. Guiado por essa primeira inspiração, Rodin criou mais tarde uma réplica desta escultura em tamanho maior do que a original, exposta em 1888, na Galerie Georges Petit, numa exposição com Claude Monet, com título triplo, Le Penseur, Lê Poète, e Fragment de Porte.
A repercussão a respeito dessa versão foi tão forte na época nos Estados Unidos, que a cidade de Philadelphia iniciou imediatamente uma subscrição pública para adquirir um exemplar a ser exposto em uma de suas praças, para deleite de seus habitantes. Em dezembro de 1904, dinheiro suficiente já havia sido arrecadado, tendo O Pensador de Philadelphia sido inaugurado em abril de 1906. A cidade de Passadena também tem o seu O Pensador.
Rodin dizia: “O que faz meu Pensador pensar, é que ele pensa não apenas com o cérebro, com sua testa enrugada, suas narinas dilatadas, lábios comprimidos, mas com cada músculo de seus braços, costas e pernas, com o seu punho cerrado e dedos dos pés crispados em garras”.
Quando as esculturas de Rodin estiveram pela primeira vez na Bahia, na exposição do MAB, em janeiro de 2001, receberam a visita de um grupo de cegos do setor de Braïle da Biblioteca Pública do Estado. A professora Iracema Vilaronga, uma das visitantes, comentou ao tocar a obra: “É maravilhoso! Dá para a gente perceber o volume direitinho. Até na musculatura dos pés, ele caprichou.” Mensagem captada. Hoje O Pensador é o símbolo maior da genialidade de Rodin
(fonte: Maria Adair - Jornal A Tarde - 29/11/2003)
