A CIDADE E A ESTÉTICA DO PROGRESSO

"A cidade tem o direito de progredir. Eu tenho o direito de não gostar daquele tipo de progresso. Tenho o direito de ficar decepcionado se não encontro lá, aquilo que eu antes encontrava."
(João Cabral de Melo Neto)

O culto da indiferença é o hábito de uma sociedade que perdeu o sentido de comunidade. O consumo é a locomotiva do progresso que faz da cidade um lugar passageiro, onde tudo pode ser destruído e construído a qualquer momento, as histórias são substituídas por outras sem perspectiva de futuro.
"A forma do urbano, sua razão suprema, a saber, a simultaneidade e o encontro, não podem desaparecer" (Lefebvre).
A cidade é talvez a maior vitrine, onde os episódios cotidianos da existência material são vividos e observados na indiferença do capital. A ocupação divertida do urbano, por uma população sonhadora movida pelo acaso de viver o imprevisível, foi descartada da "polis" contemporânea. A cidade é o palco da reprodução do capital e da cultura dominante, onde tudo se descobre ou se inventa, e se apaga na mesma velocidade. Tudo é vivido na condição de espetáculo como se a vida urbana fosse um conjunto de cenas de teatro.

"A favela é fruto da falta de observação de que o operário existe," (Sérgio Bernardes).
Ele não é um ator nem sua realidade é virtual.

A realidade se evapora no espetáculo e na velocidade da moda. O homem urbano, privilegiado por possuir as mais eficientes máquinas que facilitam a vida moderna, acabou fazendo da cidade um depósito de todo tipo de lixo. Depósito de prédios, de avenidas, de automóveis, do excesso de informações, de empregados e desempregados. O automóvel é o mais sedutor aparelho do seu cotidiano. Se o transporte de massa não teve uma evolução desejada, o automóvel; ao contrário, vem se sofisticando no design, nos acessórios e nos adornos, como se fosse uma habitação sobre rodas, dotado dos confortos domésticos. A vida, sem nenhuma indagação, depende do automóvel, até o orgasmo. A produção dessas máquinas é estimulada porque gera empregos, impostos, movimenta a economia, produz lucros, mas o número de automóveis é cada vez mais incompatível com o espaço de circulação. As mudanças são rápidas como a moda, o ambiente natural vai sendo destruído para dar lugar a mais avenidas, mais garagens e mais automóveis. Somos obrigados a consumir não só o produto, mas também a sua imagem, o simulacro da arquitetura e uma outra imagem urbana como símbolo da nova sociedade. O "triunfo do esquecimento sobre a memória, a embriaguez inculta, amnésia". (Baudrillard)
A velocidade moderna está estranhamente associada com as perdas de tempo nos deslocamentos e na burocracia. Se hoje se passa uma ou duas horas nos congestionamentos do trânsito, ninguém tem dúvida, amanhã vai ser pior. O importante é o consumo, a ética da economia da cidade. O progresso nada mais é, do que a possibilidade de ampliar o consumo. "Se os seres humanos já não sabem distinguir entre o belo e o feio, a tranqüilidade e o barulho, é porque já não conhecem a qualidade essencial da liberdade, da felicidade," (Hebert Marcuse). A repetição e a homogeneização levam ao esgotamento. E no refúgio de alguns metros quadrados, cercados de aparelhos, o homem urbano assiste a tudo, na liberdade de não sair do lugar e com a felicidade de não se envolver com nada. A cultura que inventou a beleza do silicone, tem a multidão, o trânsito, a publicidade e o turista como performance da realidade que disfarça a cidade e seu compromisso com o social e o cultural.